terça-feira, 24 de julho de 2007

Sopro

(Texto criado para o concurso literário do mês de julho da Revista Piauí)

O doutor disse que ela tinha ruído no peito, que as paredes de seu coração não eram boas barreiras. Tinha sopro! Passou a sentir o ar diferente, entrando em seu coração: ela era feita de vento! Mas não dum ar qualquer: ela era da brisa quente da boca de alguém.

Sendo produto da respiração de um ser, ela pensava se era resto de vida ou se carregava no ar os fios brancos de um dente-de-leão. Se era feita dum espirro de inverno, ou de suspiro provocado pela quinta vez dum filme lindo. Será que era dum apagar de velas? Do alívio no machucado de um filho moleque? Talvez poderia saber a resposta, mas não quis.

Com o tempo, foi sentindo que poderia viver várias vidas.Viveu! E entendeu o que o doutor havia dito: as paredes de seu coração não eram mesmo barreiras, eram peneiras, quase filtros. Seu corpo era formado pelo que a envolvia, ou o que era envolvido por ela. Sua essência era o ar de outro. Inspirava, se formava, e vez ou outra ela expirava.

Das raras vezes em que saia ar pela sua boca, não gostava. Sentia-se apavorada com a idéia de outro ser do que ela não deu conta de aproveitar. “Outro não pode ter um pouco de mim, para eu não precisar ser menos” era o que pensava. Mas era inevitável, saía brisa de si também: como quando ela gargalhava de prazer na descida íngreme do balanço, ou quando torcia o tórax por cima da cintura para ver quem a chama de forma doce.

Seus vazamentos continuavam e ela não se conformava. Sua angústia só piorou. Passou a se controlar, a cortar risadas ao meio, a limitar os movimentos do corpo, a fechar a boca. Não conseguia mais viver ali, em meio às pessoas que a respiravam. Pediu minha ajuda e eu lhe falei de um lugar onde nos sentiríamos no deserto. Sua gratidão me confortou. Partimos em silêncio. Sabíamos que vento não tem limite, ar não tem controle, mas já não importava mais.

Sim, lá não havia ninguém para respirar seu ar! Também não havia ninguém para expirar seu ar. Não havia ninguém. Não havia ar.

Já meio delirando, ela disse:

- Sopro no coração é quando o ar certo inunda duvidoso. Sopra meu peito, sopra preu sentir de novo!!

Quando acabei, exalou. Meu corpo ainda lembra.

3 comentários:

fortaleza furta-cor disse...

"sopro de vida"

Anônimo disse...

eu queria ventar horrores

unnf



=*

vakagoloka disse...

bom, muito bom...